O economista liberal estadunidense Peter Schiff, tal como Robert Kurz, também previu previu a crise provocada pelo estouro da bolha do imobiliário, baseado nos conceitos liberais de produção, poupança, crédito e consumo. No vídeo abaixo, outros "analistas" chegam a rir e debochar dele enquanto expunha suas teses.
Porém, quando a crise realmente estourou, ele apressou-se a publicar um artigo no Washington Post, chamado Don't blame capitalism (Não culpe o capitalismo). Diz Schiff: "Esta crise resultou da relutância do governo em regular a irrefreada ganância de Wall Street".
O que Schiff tem em comum com Obama, e com o senso comum que se ouve na imprensa? Uma perigosa aproximação com o anti-semitismo. Sinistramente, de forma análoga a 1929, quando tudo acabou em Auschwitz, logo após uma grande crise econômica. O limite do capital é o anti-semitismo, como já mostraram Adorno e Horkheimer em 1944:
"A sociedade actual, onde os renascimentos e os sentimentos religiosos primitivos, bem como o legado das revoluções, estão à venda no mercado; onde os chefes fascistas negociam atrás das portas o território e a vida das nações, enquanto o público esperto calcula o preço no rádio; a sociedade, onde a palavra que a desmascara se legitima por isso mesmo como recomendação para a admissão no banditismo político; essa sociedade, na qual a política não é mais somente um negócio, mas o negócio é a política inteira - essa sociedade se toma de indignação contra o retrógrado mercantilismo do judeu e designa-o como o materialista, o traficante, que deve recuar diante do fogo sagrado daqueles que erigiram o negócio em algo de absoluto. O anti-semitismo burguês tem um fundamento especificamente económico: o disfarce da dominação na produção. (...) Por isso as pessoas gritam: 'pega ladrão!' e apontam para o judeu. Ele é, de facto, o bode expiatório, não somente para manobras e maquinações particulares, mas no sentido mais amplo em que a injustiça económica da classe inteira é descarregada nele. Na fábrica, o fabricante tem sob os olhos seus devedores, os trabalhadores, e controla sua contrapartida antes mesmo de adiantar o dinheiro. O que na realidade se passou eles só percebem quando vêem o que podem comprar em troca: o menor dos magnatas pode dispor de um quantum de serviços e bens como jamais pôde nenhum senhor antes; os trabalhadores, porém recebem o chamado mínimo cultural. Não bastava descobrir no mercado como são poucos os bens que lhes cabem, o vendedor ainda elogia o que eles não podem se permitir. Só a relação do salário com os preços exprime o que é negado aos trabalhadores. Com seu salário, eles aceitaram ao mesmo tempo o princípio da expropriação do salário (Entlohnung). O comerciante apresenta-lhes a letra que assinaram para o fabricante. O comerciante é o oficial de justiça para o sistema inteiro e atrai para si o ódio voltado aos outros. A responsabilidade do sector da circulação pela exploração é uma aparência socialmente necessária". (Elementos de anti-semitismo)
"Arbeit macht frei" [o trabalho liberta]: entrada do campo de concentração em Auschwitz
Há uma diferença, entretanto, com a crise de 29; a diferença é ao mesmo tempo terrível e jubilosa: não há mais saída sistêmica para a crise. Em 1929 as forças produtivas ainda tinham muito a se desenvolver, e o capital ainda tinha vastas áreas do globo a conquistar: África, Ásia, América Latina praticamente inteiras. Um novo ciclo de produção e consumo (fordismo) renovou o gás do capital. A diferença qualitativa com a crise do século XXI é que com as forças produtivas hiperdesenvolvidas o trabalho tornou-se obsoleto, supérfluo. As forças produtivas microeletrônicas praticamente dispensam o trabalho humano. O tão elogiado trabalho - tanto por liberais quanto por social-democratas e trotsko-estalinistas - é um moribundo. E é esse o nó górdio da crise. Porque só o trabalho humano gera valor para o capital, o tempo de trabalho social médio corresponde ao valor de uma mercadoria. Isso já demonstrou Marx no primeiro capítulo de O capital. O trabalho das máquinas apenas transfere o valor correspondente à sua depreciação. Essa é a crise: a crise do trabalho na sociedade do trabalho. A especulação financeira é consequência, e não causa: como a produção de mercadorias não é mais lucrativa (a valorização está em crise), só resta a especulação, o capital fictício - novamente, já analisado por Marx no livro III de O capital. E como Obama deve saber (mas não fala), um dos grandes especuladores é justamente o Estado, com seus créditos estatais fictícios.
Já que é para lembrar Marx (fora de moda, mas talvez mais atual do que nunca), um trecho dos Grundrisse que deve ser um dos pontos altos do intelecto humano:
"Desde que o trabalho, na sua forma imediata, deixe de ser a fonte principal da riqueza, o tempo de trabalho deixa e deve deixar de ser a sua medida, e o valor de troca deixa portanto de ser a medida do valor de uso. O sobretrabalho das grandes massas deixou de ser a condição do desenvolvimento da riqueza geral, tal como o não-trabalho de alguns deixou de ser a condição do desenvolvimento das forças gerais do cérebro humano. Por essa razão, desmorona-se a produção baseada no valor de troca, e o processo de produção material imediato acha-se despojado da sua forma mesquinha, miserável e antagônica. Ocorre então o livre desenvolvimento das individualidades. Já não se trata, então, de reduzir o tempo de trabalho necessário com vista a desenvolver o sobretrabalho, mas de reduzir em geral o trabalho necessário da sociedade a um mínimo". (Grundrisse, Contradição entre o princípio básico (medida do valor) da produção burguesa e o seu desenvolvimento. Máquinas, etc.)
Aqui Marx está a analisando o mundo pós-capitalista, no qual a escassez foi superada pelo avanço das forças produtivas. Porém, para isso é necessário superar as relações capitalistas: máquinas, sob o capital, não são fontes de riqueza social e cultural, mas de desemprego e sofrimento. Porque o seu potencial liberador é contido pela forma-mercadoria, pela apropriação privada do ócio (que no mais das vezes, nem merece ser chamado de ócio).
Parece que hoje estamos caminhando para algum tipo de fascismo militarista-repressor para gerenciar a crise insuperável do capital - o que inclui cortes de custos sociais, que nestes tempos são facilmente relativizados. A não ser que surja um movimento global anti-sistêmico para forçar a realização do potencial contido nas máquinas, o potencial de um nível superior de fruição da vida - ou "comunismo", para quem prefere. Contra a crise, os diagnósticos rasos e o anti-semitismo, luta de classes reloaded!
Nenhum comentário:
Postar um comentário