domingo, 19 de outubro de 2008

Um prefeito marroquino em Rotterdam

Como foi notícia até no Brasil - Zero Hora noticiou -, Rotterdam, o maior centro industrial e financeiro da Holanda terá um prefeito de origem marroquina, Ahmed Aboutale. Como já dito em outra postagem, há uma tensão étnica latente aqui na Holanda. Mais de um milhão de muçulmanos, principalmente turcos e marroquinos, vivem aqui, de um total de 16 milhões de habitantes. É fácil imaginar potenciais conflitos. A Holanda tem uma tradição de tolerância iluminista - é um país de históricos interesses comerciais globais - enquanto os muçulmanos pobres (que vieram como mão de obra barata, para fazer aquelas tarefas que os holandeses não queriam desempenhar), talvez tenham uma postura bastante diferente. O conflito tende a aumentar quando a mão de obra barata dos estrangeiros já não é mais necessária, em tempos de desemprego global. Soma-se a isso o envio de tropas holandesas para o Afeganistão e Iraque, mais os atentados de 11 de setembro e do assassinato de Pim Fortuyn, crítico direitista do islamismo, por um extremista islâmico em 2002, seguido daquele do diretor de cinema Theo van Gogh, que produziu um documentário sobre o primeiro caso, e tem-se um caldo bastante espesso.

Para piorar, reações francamente regressivas, proto-fascistas, de alguns grupos políticos holandeses. O Partij van der Vrijheid (PVV) - Partido da Liberdade - tem previsto em seu programa a luta contra a "islamização" da Holanda e a proibição de mesquitas e cultos religiosos em línguas estrangeiras - mas defende o aumento dos direitos dos animais. O líder Geert Wilders produziu um filme divulgado na internet, no qual citações do Corão supostamente incitando a violência são mescladas com imagens de atos terroristas e afins. O governo de centro-direita tratou de desvincular-se de Wilders e colocar as embaixadas em estado de alerta. O filme é bastante infantil, poderia ter sido feito de forma simétrica a partir da Bíblia cristã (ou de um manual de administração de empresas), e, ao final, pode-se dizer que a interpretação que faz dos trechos do Corão é tão fundamentalista quanto a dos terroristas islâmicos. Muito provavelmente o filme apenas alimentou ódios e ressentimentos. O PVV conquistou 9 cadeiras no parlamento holandês nas últimas eleições, de um total de 150. Até 2006 possuía apenas uma.

Em Rotterdam o PVV não possui nenhum representante no conselho municipal. Lá existe o Leefbaar Rotterdam, algo como "Rotterdam Viável", de extrema direita. O partido foi fundado em 2001 e nas eleições de 2002 já se tornou o maior partido da cidade, derrubando a liderança do Partij van der Arbeid (PvdA) - Partido do Trabalho -, de tendência social-democrata. Nas eleições de 2006 o PvdA voltou a ser o maior partido, mas o Leefbaar Rotterdam ainda possui 14 cadeiras de um total de 45, o segundo maior partido.

Assim, a nomeação do prefeito Aboutale não é isenta de muitas discussões e polêmicas (isso a ZH não menciona). Tanto o PVV quanto o Leefbaar Rotterdam protestam contra a indicação do marroquino. O líder do PVV diz, segundo o jornal de Stentor, que "um marroquino como prefeito da segunda cidade da Holanda é tão louco quanto um holandês como prefeito de Meca", e questiona a sua indicação baseando-se em sua dupla nacionalidade. "Leefbaar Rotterdam furioso sobre Aboutaleb" é uma das manchetes do jornal Dag. Segundo o líder Ronald Sorensen, "não é exatamente inteligente escolher um representante de um grupo que causa problemas em toda a Holanda e em Rotterdam".

Estou na Holanda há apenas uma semana. Descontando a superficialidade natural desta opinião, penso que um prefeito marroquino em Rotterdam é um passo interessante para uma convivência étnica pacífica na Holanda, mas o problema é complexo e está longe de ser resolvido. Até porque, mesmo que seja infantil identificar todos os muçulmanos como fundamentalistas e terroristas, há fanáticos dos dois lados; e neste caso holandês, a questão étnica sem dúvida está associada à questão de classe.

2 comentários:

Anônimo disse...

DANIEL ESPERO, CONFORME TEU COMENTÁRIO, ESSE PREFEITO VENHA PARA PACIFICAR OS CONFLITOS.

vivendoanatureza disse...

Daniel, creio que voltarás como jornalista, tal o conteudo de teus comentários. Pedrão