domingo, 30 de novembro de 2008

Acabaram os cogumelos!

A partir de 1o. de dezembro de 2008 os magic mushrooms passam a ser proibidos na Holanda. A desculpa oficial é que muitos turistas não sabem como consumi-los. Recentemente uma turista francesa faleceu durante a viagem.

É mais um dos aspectos da onda conservadora da Holanda, liderada pelo partido cristão CDA e seu primeiro-ministro Balkenende, chamado de Harry Potter pelos oposicionistas (com o que ele não parece se incomodar), que o acusam de ter sido o puxa-saco-do-puxa-saco-do-Bush (puxa-saco do Blair). O CDA quer acabar com a legalização das drogas na Holanda e endurecer o jogo com a prostituição, eutanásia, aborto, imigração, etc. Até mandar tropas para o Afeganistão o Harry Potter conseguiu, apesar dos protestos.

Os traficantes-criminosos gostaram da notícia.

quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Aprender holandês...

...é difícil não só pela natural complexidade de uma língua estrangeira, mas também porque todos aqui falam inglês fluentemente. Chega a ser impressionante. Durante todo o tempo em que estou aqui só vi três exceções à regra. E mais: quando se tenta perguntar em holandês, a resposta sempre vem em inglês. Provavelmente estão tentando ajudar, mas para quem quer aprender a língua é péssimo. Mas já tive sucesso comprando passagem de trem:

- Een dagretour naar Amsterdam met korting, alstublieft.

A atendente entendeu tudo.

Por outro lado, uma demonstração do ambiente multicultural da Holanda (o que inclui os fascistas que não gostam de multiculturalismo) é que mesmo com essa minha pinta para nada similar à de um holandês "puro sangue", sempre que se dirigem a mim o fazem primeiramente em holandês - supõe que eu poderia ser um deles.

quarta-feira, 26 de novembro de 2008

O holandês...

...não é uma língua, é um problema na garganta. Isso é o que os próprios holandeses dizem. Para os falantes da "língua doce" (o português, segundo Cervantes), o holandês entra quadrado pelo ouvido. Mas já estou começando a gostar - ou talvez meus ouvidos estejam já um pouco deteriorados. Língua germânica, a meio caminho entre o alemão e o inglês. A mais bela palavra da língua holandesa talvez seja voetballen: algo como "futebolar". No país do futebol total, o esporte só podia tornar-se verbo.

No videozinho B abaixo pode-se ver alguns holandeses expectorando, digo, falando sobre Delft.

terça-feira, 25 de novembro de 2008

segunda-feira, 24 de novembro de 2008

Neve em Delft!

Faceiro, primeira vez que vi neve na vida. Seguem fotos e vídeo.







Escutas

Certas músicas marcam na primeira audição. Essa é do velho conhecido de leituras Raoul Vaneigem, com música de Francis Lemmonier.



La vie s'écoule, la vie s'enfuit

La vie s'écoule, la vie s'enfuit
Les jours défilent au pas de l'ennui
Parti des rouges, parti des gris
Nos révolutions sont trahies
Parti des rouges, parti des gris
Nos révolutions sont trahies

Le travail tue, le travail paie
Le temps s'achète au supermarché
Le temps payé ne revient plus
La jeunesse meurt de temps perdu
Le temps payé ne revient plus
La jeunesse meurt de temps perdu

Les yeux faits pour l'amour d'aimer
Sont le reflet d'un monde d'objets.
Sans rêve et sans réalité
Aux images nous sommes condamnés
Sans rêve et sans réalité
Aux images nous sommes condamnés

Les fusillés, les affamés
Viennent vers nous du fond du passé
Rien n'a changé mais tout commence
Et va mûrir dans la violence
Rien n'a changé mais tout commence
Et va mûrir dans la violence

Brûlez, repaires de curés,
Nids de marchands, de policiers
Au vent qui sème la tempête
Se récoltent les jours de fête
Au vent qui sème la tempête
Se récoltent les jours de fête

Les fusils sur nous dirigés
Contre les chefs vont se retourner
Plus de dirigeants, plus d'État
Pour profiter de nos combats.
Plus de dirigeants, plus d'État
Pour profiter de nos combats.

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A vida escorre [se esgota]*, a vida foge

A vida escorre [se esgota]*, a vida foge
Os dias desfilam no ritmo do tédio
Partido de vermelhos, partido de cinzas
Nossas revoluções são traídas
Partido de vermelhos, partido de cinzas
Nossas revoluções são traídas

O trabalho mata, o trabalho paga
O tempo é comprado no supermercado
O tempo pago não volta mais
A juventude morre de tempo perdido
O tempo pago não volta mais
A juventude morre de tempo perdido

Os olhos feitos para o amor de amar
São o reflexo de um mundo de objetos
Sem sonho e sem realidade
Às imagens somos condenados
Sem sonho e sem realidade
Às imagens somos condenados

Os fuzilados, os famintos,
Vem a nós do fundo do passado
Nada mudou mas tudo começa
E vai amadurecer na violência
Nada mudou mas tudo começa
E vai amadurecer na violência

Queimem, abrigos de padres,
Ninhos de comerciantes, de policiais
Ao vento que semeia a tempestade
Se colhe os dias de festa
Ao vento que semeia a tempestade
Se colhe os dias de festa

Os fusis contra nós dirigidos
Contra os chefes vão retornar
Não mais dirigentes, não mais Estado
Para lucrar com nossas lutas
Não mais dirigentes, não mais Estado
Para lucrar com nossas lutas

(*) La vie s’écule : "a vida escorre", mas também "a vida se vende até acabar o estoque", "é colocada em circulação", "se debita"...

domingo, 23 de novembro de 2008

Campo da TU Delft

Depois de "recepcionar" Sinterklaas, mais uma pelada globalizada no campo da TU Delft. Na metade do jogo começou uma tempestade de granizo. Ninguém pensou em parar. O campo aí embaixo, que tem grama sintética, ficou branco. Dia mais frio da minha vida. Joguei de jaqueta e não tive vontade de tirar. Em determinado momento queria amarrar meu tênis e não conseguia, pois meus dedos estavam congelados.



Sinterklaas

Na Holanda as crianças têm dois papais Noel - o "bom velhinho" ou "porco capitalista", segundo os Garotos Podres. Um deles é parecido com o adotado no Brasil (Santa Claus), mas tem também o tal de Sinterklaas. Dizem que para as crianças daqui o quente mesmo é Sinterklaas. Esse é comemorado no dia 5 de dezembro.

Sinterklaas era o bispo de Myra, na Turquia. Reza a lenda que ele salvou o seu povoado da fome, ressucitou três crianças e dava presentes a meninas pobres. Teria morrido em 6 de dezembro do ano de 343. Em 1087 suas relíquias forma transferidas para Bari, na Itália.

Na tradição holandesa, Sinterklaas vem da Espanha, de barco (e não de trenó do Pólo Norte, como Santa Claus). Talvez porque Sinterklaas (São Nicolau) fosse o padroeiro dos marinheiros. Ou porque a Holanda tenha feito parte do império espanhol. Ou ambos. Sinterklaas chega com muitos ajudantes negros. Mouros? Escravos? Ninguém sabe direito. São chamados de Zwarte Pieten (algo como Pedrinhos Negros). Não parece haver nenhum conteúdo racista, pois as crianças se fantasiam de Piet, inclusive pintam o rosto de preto.

Sinterklaas e seus pieten visitam as crianças, distribuindo presentes para as boas e punindo as más. A pior punição é ser levado para Espanha pelos pieten na mesma mala de onde saem os presentes para as crianças "boas". Mas parece que as punições estão fora de moda, e todas ganham presentes. As crianças costumam deixar sapatos na frente da lareira na véspera do dia de Sinterklaas; reza a lenda que então os pieten entram pela chaminé e deixam presentes. Na noite de 6 de dezembro Sinterklaas visita as crianças e, após, retorna à Espanha.
Os adultos também celebram Sinterklaas, fazem uma espécie de amigo secreto, e tradicionalmente têm de compor um poema para o presenteado. Essa festa é tão importante para eles que chega a haver um programa especial de televisão, no qual participam os prefeitos de cidades como Amsterdam, Rotterdam, etc. (http://player.omroep.nl/?aflID=8307149).

Pois, indo sábado jogar futebol na TU Delft, não é que Sinterklaas estava chegando pelo canal? Tá aí, junto com o contraponto dos Garotos Podres:













sexta-feira, 21 de novembro de 2008

Água, cooperação e democracia na Holanda

Hoje, como parte do programa do mestrado, visitamos o Hoogheemraadschap Delfland (Conselho da Água de Delft). Os Conselhos da Água existem na Holanda desde a Idade Média, e têm responsabilidade sobre proteção contra enchentes, controle da qualidade das águas superficiais e tratamento de efluentes domésticos. Hoje são 27 conselhos, que são as instituições democráticas mais antigas da Holanda. Os membros do conselho diretivo (36) são escolhidos em eleições diretas para um mandato de quatro anos. Um membro do conselho é escolhido pelo governo, mas seus poderes são muito limitados (como mandar cortar as mãos de quem joga lixo nos canais, prática obviamente abandonada, ou atuar em casos de calamidades).

O desenvolvimento histórico e social da Holanda foi em grande medida determinado pela água. Um quarto do país está abaixo do nível do mar, e só é mantido seco devido ao funcionamento contínuo de sistemas de polders e diques, construídos ao longo dos séculos. Polders são sistemas de drenagem no qual o "excesso" de água do terreno é bombeado para os canais (antigamente, com moinhos de vento; hoje, com bombas elétricas), que por sua vez encaminham-se para o mar. Tanto a construção quanto a manutenção de todo este sistema exigia cooperação e trabalho coletivo. Se uma área não fosse drenada corretamente, tudo poderia ser inundado. Daí se formou o sistema democrático e descentralizado dos Conselhos da Água, os quais, diga-se de passagem, têm autonomia em relação aos governos municipais, provinciais e nacional, e a sua área de influência não coincide com aquela das prefeituras ou províncias. A autonomia é inclusive financeira, pois eles se sustentam com taxas próprias.

Essa luta coletiva contra a enchente ao longo dos séculos provavelmente marcou a sociedade holandesa e o caráter do holandês. A tal ponto que é dito que a experiência dos conselhos da água tiveram influência grande, por exemplo, na independência da Holanda. Ou, especula David Winner, talvez a maneira coletiva de jogar futebol da Laranja Mecânica tenha algo a ver com os mutirões dos polders. Quem sabe, também, com um certo espírito anárquico?

O Conselho da Água de Delft está em um prédio histórico construído por volta de 1400.

Sede do Conselho da Água de Delft

Sistema de tratamento de esgoto

quinta-feira, 20 de novembro de 2008

Deglutindo a Holanda

Já tinha comido pannekoek (panqueca), stroopwaffel (um doce) e haring (peixe cru). Ainda falta o queijo gouda. Mas para falar a verdade não estava satisfeito com o haring: tinha comido alguns broodje (sanduíche) e um haring cortado numa bandeija. Tudo muito sublimado. Então, fui à feira de quinta na hora do almoço com o propósito de comer haring como tem que ser, uma coisa meio viking:



Acreditem, isso muito bom!

PROVOS

Já que os PROVOS foram citados várias vezes aqui, uma pequena introdução.

Grupo anarco holandês formado por malucos de origens diversas (artistas, estudantes, drogados e outros) nos anos 60 que um dia resolveram que deveriam PROVOcar a autoridade para mostrar sua natureza totalitária. E enlouqueciam a polícia: provocavam, apanhavam, mas não reagiam, dispersavam-se e reuniam-se em outro lugar. Para provocar de novo. A atitude PROVO é bem ilustrada no poster abaixo:


Chegaram a ter uma imprensa própria. Publicavam as Provokaties (provocações), das quais a mais famosa é a Provocatie #5, o Plano das Bicicletas Brancas.



Povo de Amsterdam!

Basta com o terror asfáltico da burguesia motorizada! Todo dia, as massas oferecem novas vítimas como sacrifício ao último patrão a quem se dobraram: a auto-autoridade. O sufocante monóxido de carbono é seu incenso. A visão de milhares de automóveis infecta ruas e canais.

O Plano Provo das Bicicletas nos libertará desse monstro. Provo lança a bicicleta branca de propriedade comum. A primeira bicicleta será apresentada ao público quarta-feira, 28 de julho, às três da tarde, no Lieverdje, o monumento ao consumismo que nos torna escravos.

A bicicleta branca nunca terá cadeados. A bicicleta branca é o primeiro meio de transporte coletivo gratuito. A bicicleta branca é uma provocação contra a propriedade privada, porque a bicicleta branca é anarquista! A bicicleta branca está à disposição de quem quer que dela necessite. Uma vez utilizada, nós a deixamos para o usuário seguinte. As bicicletas brancas aumentarão em número até que haja bicicletas para todos, e o transporte branco fará desaparecer a ameaça automobilística. A bicicleta branca simboliza a simplicidade e higiene diante da cafonice e da sujeira do automóvel.


Uma bicicleta é algo, mas quase nada!


Começaram a armar perigosas alianças com trabalhadores. No casamento da princesa Beatriz, em 1966, provocaram uma tremenda baderna.



O chefes de polícia foram demitidos. E então os PROVOS se autodissolveram: "Os Provos tem de desaparecer porque todos os grandes homens que nos fizeram crescer se foram".
As limitações teóricas e práticas dos PROVOS para mudar radicalmente o mundo já foram exploradas por vários (Interncaional Situacionista entre eles), mas provavelmente Amsterdam não seria o que é hoje se não fosse o movimento PROVO. Talvez nem mesmo o mundo, pois segundo alguns a contracultura nasceu em Amsterdam, com eles (antes dos hippies da Califórnia, etc.).

O Plano das Bicicletas Brancas tem surpreendente atualidade. Chega a ser um tanto ridículo ver aqui na Holanda várias bicicletas atadas a um poste. Tem tanta bicicleta, mas tanta, espalhadas por todos os lados, que a propriedade privada delas se torna obsoleta - seria mais rápido e fácil pegar qualquer uma, poupando os recursos e o trabalho de fabricar cadeados, mais o esforço de cadear as bicicletas. Mais ou menos o que acontece com quase todos os bens de consumo no século XXI que realmente possuem um valor de uso. Não seria o caso de pintar o mundo inteiro de branco, saindo do reino da necessidade para entrar no reino da liberdade?

Área para fumantes?

A polêmica do momento aqui na Holanda é a proibição do fumo em locais fechados. Já temos isso há tanto tempo no Brasil, mas aqui é novidade. Parece que foi para adequar-se à legislação da União Européia. Só que os fumantes - e os bares e cafés! - estão se rebelando e boicotando a lei. "Caos por causa da proibição do fumo", noticia o Telegraaf.

Segundo um professor, a polêmica se deve ao espírito anarco dos holandeses. Segundo ele, se um americano vê uma placa dizendo "proibido passar", ele olha para saber por que, e desvia o caminho; um alemão desvia o caminho sem nem mesmo olhar; um holandês questiona: "quem ousa dizer que eu não posso passar?".

O estranho é que ninguém aqui parece cogitar a opção de uma área reservada para fumantes, como no Brasil.

terça-feira, 18 de novembro de 2008

CoBrA


Domingo foi dia de visita ao CoBrA Museum em Amsterdam. CoBrA foi o grupo de artistas de vanguarda formado em 1948, reunindo pessoas de Copenhague, Bruxelas e Amsterdam. A sua consigna era clara: c'est notre désir qui fait la revolution [é o nosso desejo que faz a revolução]. Insatisfeitos com a esterilização e academização do surrealismo, queriam uma arte espontânea e livre, e, no limite, a transformação da vida em obra de arte.

Talvez um dos mais interessantes experimentalismos tenha sido a New Babylon de Constant Nieuwenhuis: a cidade utópica (no sentido concreto de Bloch), na qual não há exploração, todas as atividades não-criativas são automatizadas, e o Homo Faber é superado em direção ao Homo Ludens (conceito desenvolvido pelo também holandês Johan Huizinga). O esforço-jogo de Constant vai no sentido de pensar uma cidade no contexto de uma sociedade liberada:

Yet let us suppose that all nonproductive work can be completely automated; that productivity increases until the world no longer knows scarcity; that the land and the means of production are socialized and as a result global production rationalized; that, as a consequence of this, the minority ceases to exercise its power over the majority; let us suppose, in other words, that the Marxist kingdom of freedom is realizable. Were it to be, we could no longer ask the same question without instantly attempting to reply to it and to imagine, albeit in the most schematic manner, a social model in which the idea of freedom would become the real practice of freedom -- of a 'freedom' that for us is not the choice between many alternatives but the optimum development of the creative faculties of every human being; because there cannot be true freedom without creativity.

[Pois vamos supor que todo o trabalho não-produtivo possa ser completamente automatizado; que a produtividade aumente até que o mundo não mais conheça a escassez; que a terra e os meios de produção sejam socializados e como resultado a produção global seja racionalizada; que, como consequência disso, a minoria deixe de exerceu seu poder sobre a maioria; vamos supor, em outras palavras, que o reino da liberdade marxista seja realizável. Se o é, não podemos mais fazer a mesma questão sem imediatamente tentar respondê-la e imaginar, ainda que da maneira mais esquemática, um modelo social no qual a idéia da liberdade se tornaria a prática real da liberdade - de uma "liberdade" que para nós não é a escolha entre muitas alternativas, mas o desenvolvimento ótimo das faculdades criativas de todo ser humano; porque não pode haver verdadeira liberdade sem criatividade].

(As condições materiais, com as forças produtivias hiperdesenvolvidas do século XXI, já não estão prontas para a realização da utopia de Constant? Então, o que está faltando? A progressiva degradação das cidades não é resultado da contenção privada do potencial liberador da técnica avançada?).

CoBrA durou apenas três anos, mas sua influência foi muito além disso. Teve influência decisiva no movimento PROVO na Holanda. No final dos anos 50, alguns ex-integrantes (Asger Jorn, Constant) juntaram-se a outros radicais franceses para formar a Internacional Situacionista. Reunindo teoria marxiana, psicanálise, arte, estratégia e as melhores tradições dos comunistas de conselhos e anarquistas, este grupo foi responsável, talvez, pelos mais maravilhosos ataques ao capitalismo desde Marx, e foi o grupo mais consequente entre os insufladores do maio de 68 na França. Foram eles os redatores do texto Da miséria do meio estudantil, estopim dos acontecimentos em Nanterre.

Mesmo tendo como horizonte a superação das instituições dominantes, o CoBrA agora possui um museu oficial. Recuperados pelo poder? Tomara que não. A pior coisa que pode acontecer ao espírito CoBrA é a pasteurização esterilizante da moda.
O CoBrA Museum

Barricades (Constant)

Um vídeo com Karel Appel em ação:


Resistência em Delft

Ainda no Verzetsmuseum, lê-se que os estudantes de Delft recusaram-se a assinar a declaração de lealdade aos nazistas, e por isso sofreram perseguições e não puderam continuar os estudos oficialmente (mas parece que continuaram estudando escondidos).


segunda-feira, 17 de novembro de 2008

Museu da resistência

O Verzetsmuseum é o museu da resistência holandesa durante a Segunda Guerra Mundial. A Holanda foi ocupada pela Alemanha nazista durante a guerra (com direito a um estúpido bombardeio do centro do Rotterdam). O enfoque do museu é a atitude das pessoas comuns: aanpassen, meedoen of verzetten? [adaptar-se, colaborar ou resistir?]. Até hoje há uma problematização quanto à resistência holandesa: até que ponto ela foi forte e efetiva? Havia um partido nazista na Holanda da época, ainda que sem grande apoio popular; e, de início, a Alemanha tentava trazer os holandeses para o lado do III Reich, por serem "irmãos germânicos". Mas, justiça seja feita, a primeira e única manifestação pública de solidariedade aos judeus em país ocupado foi em Amsterdam - só podia ser em Amsterdam. A greve convocada pelo Partido Comunista parou a cidade. A partir dali a ocupação nazista passou a ser mais e mais repressiva e violenta.

No museu também estava uma exposição paralela sobre Hannie Schaft, "a garota dos cabelos vermelhos" - het meisje met het rode haar. Hannie foi uma das poucas mulheres a participar da resistência. Mas foi para valer: andava sempre armada, e executava traidores. Foi capturada pelos alemães quase ao final da guerra, e morta. Espécie de heroína de guerra, com direito a estátua em Haarlem, sua cidade natal. Pelo menos um livro e um filme foram dedicados a ela. O recente filme Zwartboek (2006) - "o livro negro", mas traduzido como A espiã em português - do diretor holandês Paul Verhoeven (aquele dos filmes sangue-suor-e-hormônios Instinto selvagem, Robocop, O vingador do futuro, etc.), talvez tenha sido inspirado em Hannie: no filme há uma heroína de guerra holandesa. Aliás, esse filme é falado majoritariamente em holandês, e não em alemão, como está no menu do DVD brasileiro.

Hannie Schaft, a garota dos cabelos vermelhos

Abaixo, o trailer do filme Het meisje met het rode haar (não vi!) e um video introdutório do Verzetsmuseum (em holandês e sem legendas).


Para completar, outra mostra temporária, sobre a história dos cartazes de protesto na Holanda (que não incluía cartazes dos PROVOS, o que é uma falha imperdoável). Aí vai uma amostra:

A Shell apoiou o terror do Apartheid na África do Sul

domingo, 16 de novembro de 2008

Amsterdam (mais um pouco)

Mochila cheia e roupas e livros, final de semana em Amsterdam.
Matteo Guarnaccia afirma que uma das marcas da generosidade e receptividade de Amsterdam é que o seu centro tem a forma de uma concha ou vulva:
Essa forma, a água dos canais e a atmosfera, talvez façam de Amsterdam uma cidade feminina. Feminina e bela. É facílimo se perder em sua concha, mas quem se incomoda?


A rainha Wilhelmina - felizmente, ela foi bastante avacalhada pelos PROVOS

O "Lieverdje", algo como "o guri", ao redor do qual os PROVOS faziam os seus happenings nos anos 60

A Rembrandtsplein reproduzindo Nachtwacht

Comendo um haring (peixe cru). Comer de cima para baixo é quase que um ritual aqui. Mas melhor se fosse com o peixe inteiro, não cortado como esse.

O museu da resistência da Segunda Guerra (Verzetsmuseum) e o Museu COBRA foram conferidos, mas isso fica para depois.

Bicicletas (de novo)

Um cartaz e um filme.
O cartaz:

Cérebros viajam de bicicleta. Amsterdam pedalando sustentabilidade. I amsterdam [trocadilho intraduzível com I am (eu sou/estou) e Amsterdam].

E um filme de animação no qual a roda da bicicleta torna-se a roda do tempo:

Quem acompanha esse blog sabe que não é por acaso a escolha da bicicleta como peça central do roteiro. O diretor Michael Dudok de Wit, que é holandês, soube captar muito bem certos detalhes e situações que são freqüentes aqui: crianças e idosos pedalando, grupos de amigos, duas ou mais pessoas na mesma bicicleta, gente pedalando com dificuldade contra o vento ou sob a chuva, o som das buzinas... Diria que para entender plenamente esse filme, só tendo andado de bicicleta na Holanda.

quinta-feira, 13 de novembro de 2008

Leituras

"Messieurs, je n'ai point l'honneur d'appartenir à votre classe, vous voyez en moi un paysan qui s'est revolté contre la bassesse de sa fortune".

[Senhores, não tenho de forma alguma a honra de pertencer à sua classe, vocês vêem em mim um camponês que se revoltou contra a baixeza de seu destino.]

A frase de Julien Sorel durante seu julgamento resume bem o enredo de Le rouge et le noir [O vermelho e o negro] (Stendhal), que acabei de ler. O humilde mas ambicioso e inteligente Sorel acaba mal por ser bom em um sistema social no qual o que importava era mais a casta do que o mérito. Julien tinha de usar escadas clandestinas para ter acesso às mulheres nobres que amou. Do talento tolhido ao crime, a distância é curta.

Difícil deixar de pensar nas instituições do Brasil, inclusive aquelas que deveriam ser os bastiões da chamada coisa pública; ainda estamos à espera dos nossos jacobinos. Mas em tempos de decomposição decrépita do capitalismo (como bem previu Marx e sempre relembra Robert Kurz), talvez seja tarde demais para reformas...

A próxima leitura é Figuranten, de Arnon Grunberg, em holandês, dentro do projeto de voltar a Porto Alegre falando esta língua. O projeto também inclui traduções de textos inéditos em português dos comunistas de conselhos.

Estudos

Para que ninguém pense que aqui só estou visitando museus e outros lugares de menor reputação, aí vai o que estou estudando no momento: toxicologia, saúde pública, demografia, economia ambiental. ;-)

Museu da cerveja?

Micaço. Fui ao Legermuseum, em Delft. Como lager é um tipo de cerveja em alemão, e o holandês é uma língua irmã, leger deve ser cerveja, pensei. Um museu da cerveja, afinal Delft chegou a ser grande produtora da bebida. Chegando lá, só vejo armas e fardas de milicos. É que leger em holandês é exército. Decididamente, militarismo não é a minha praia, mas já que estava lá, entrei; sempre se pode aprender um pouco de história com os milicos, após uma boa higiene da informação.

O museu é acima de tudo uma imensa coleção de objetos (os homens de farda não são muito chegados no conceito, com exceção de alguns raros Clausewitz ou Sun-Tzu): armas, fardas, equipamentos militares, maquetes, bandeiras capturadas em batalhas, de todas as épocas. Inclui posters fazendo propaganda (no pior sentido possível) das tropas holandesas no Afeganistão, e atividades voltadas para o público infantil, nas quais as crianças são literalmente postas para marchar. Alguns vídeos e informações interessantes, mas o que mais gostei foi um imenso poster na entrada do museu, divulgando uma exposição sobre o uso de animais na guerra: um cão-milico (ou seria um milico-cão?).


Tulipas

Ainda não vi as famosas tulipas por aqui - a bem da verdade, tampouco procurei. Mas a explicação pode ser o que nos disse um professor durante uma viagem de campo: as tulipas estão sendo cultivadas no Quênia. Os salários pagos aos quenianos são tão baixos que mesmo com o custo de transporte as empresas holandesas saem lucrando. É a dominação pós-colonial: muito mais eficiente, segura e higiênica.

quarta-feira, 12 de novembro de 2008

O bairro das luzes vermelhas

Impossível deixar de visitar esse famoso bairro - mais conhecido como Red Light District, em Amsterdam. Imagine um shopping center em um domingo em Porto Alegre, cheio de gente. Imagine que seja ao ar livre, e imagine que nas vitrines as mercadorias sejam mulheres. Assim dá para ter alguma idéia do que seja o lugar, mas para saber mesmo só vendo. Ainda por cima não são só mulheres: elas convivem lado a lado com restaurantes, sex shops e casas de sexo explícito, lojas de roupas, estúdios de artistas. Muita gente vai lá para fazer uma social, jantar, etc., incluindo muitas mulheres. A polícia se faz presente, discretamente. Um dos pontos de maior concentração de luzes vermelhas é nas imediações de uma igreja.

Não tirei fotos, obviamente é proibido. Até poderia ter tirado fotos panorâmicas, mas como estava sozinho, reconhecendo o terreno, preferi não arriscar. No final desse post seguem fotos que peguei da internet, mostram bem o que é o distrito, com a diferença de que quando eu fui tinha muito mais gente. Caminhando pela rua estreita junto com muita gente (homens e mulheres), o canal de um lado, mulheres na vitrine do outro. Em várias dessas vitrines dá para ver o boudoir delas. Uma das mais bonitas abre a porta de vidro e me chama:

- Hello!
- Hello.
- Wanna come in?
- Maybe...
- It's 50 euros. Where are you from?
- Brazil, and you?
- Greece. It's cold here, wanna come in?
- Maybe later...
- Ok, whatever...

E fecha a porta.

A prostituição existe no mundo inteiro, mas só mesmo na Holanda para ver algo assim. Sob as luzes vermelhas se revela a dialética do iluminismo: por um lado, a regulamentação da prostituição expressa os melhores ideais de tolerância e manda às favas os preconceitos religiosos, representando talvez uma utopia do prazer sem tabus; por outro, a prostituição é a coisificação levada ao limite, na qual o próprio corpo da mulher é transformado em mercadoria. Sabe-se lá quanto sofrimento se esconde no subsolo daquelas vitrines.

Diga-se de passagem: por trás de toda vitrine existe uma história de dominação, exploração, sofrimento, proletarização - por isso argumentos moralistas contra a prostituição são pouco convincentes. O processo de proletarização-produção é esquecido sob as luzes do consumo, não importa a cor. "Toda reificação é um esquecimento" (Adorno). Mas é muita teoria para um puteiro a céu aberto, não?





Espaços

No mestrado, fizemos um tour por Rotterdam para ver os problemas ambientais da cidade. Por tabela, pudemos ver in loco a escassez de espaço na Holanda, que é um dos países mais densamente povoados do mundo. Para se ter uma idéia, a Holanda possui uma área sete vezes menor do que a do Rio Grande do Sul, com uma população 50% maior.

Primero fomos a uma região chamada Westland, onde só o que se vê são estufas para cultivo de hortifrutigranjeiros (com sistema de hidroponia e circuito fechado de água para evitar poluição por pesticidas e fertilizantes). Ali perto está o que parece ser um gigantesco centro comercial, onde são realizados leilões internacionais para vendas destes produtos. Dez minutos de viagem de ônibus é suficiente para que a paisagem humana mude completamente: já entramos em uma área industrial extremamente densa, uma indústria petroquímica ao lado da outra. Mais dez minutos de ônibus, outra paisagem: uma praia artificial do Marte do Norte. (Os holandeses praticam a chamada land reclaiming: literalmente aterram o mar para ganhar um pouco de espaço). Logo ao lado, em um canal artificial do Reno, um dos pontos de maior tráfego fluvial do mundo, por onde passam navios do porto de Rotterdam.

O cronista inglês David Winner chega a sugerir que a maneira holandesa de jogar futebol - inteligência na ocupação dos espaços, movimentação intensa - foi condicionada por essa escassez de espaço por essas bandas. Também pela excesso de água - a linha de impedimento (invenção da Laranja Mecânica) estaria relacionada com a rápida diminuição de espaços resultante de uma enchente - e, claro, pelo espírito iluminista holandês.

Estufas...


petroquímicas...

praia artificial sob o sol gelado do Mar do Norte...


navios...

e a Laranja Mecânica.